terça-feira, 16 de agosto de 2016

A psique do dia #11


Começo a semana com uma vontade imensa de partilhar convosco um email recebido por parte da mãe de um jovem adulto que acompanho. Depois da autorização para a partilha, com a óbvia salvaguarda da identidade de todos os intervenientes, cá deixo esta enorme beleza, carregada de tanto e de tudo, com tanto para esmiuçar, com tantos fenómenos para retalhar, imenso para dizer. Tecerei as minhas considerações no fim!


Olá Drª, boa noite,

Antes demais peço desculpa pelo atraso da resposta ao seu email. Onde estive nas férias não tinha net, o que hoje em dia parece uma desgraça mas vendo bem as coisas até é uma bênção....assim desligamos de tudo e do mundo, pelo menos por um período de tempo, ainda que curto. Fantástico!

Sim, senti uma enorme tristeza pela não companhia do X... pela diferença de férias ditas em família... porque o normal já não o é, pelo menos tendo em conta o que era habitual. As gargalhadas dos miúdos no banco traseiro do carro, as cantorias durante a viagem e as infindáveis vezes que ouvia a frase "mãe, falta muito para chegarmos ?",,,, fazem para sempre parte do passado!!

Demorei a responder-lhe porque sabia que certamente e de alguma forma iria remexer no passado que tanto quero enterrar mas que teimosamente permanece cravado  na minha memória! No entanto devo dizer-lhe que foram uns dias calmos, revitalizantes e que me deixaram espaço para olhar pela e para a M., da forma como ela merece como filha mas também como criança que é.

O tempo é mestre na cura das rasteiras que a vida nos prega e nesse sentido confio nele...

Quanto ao X., acho-o francamente melhor e empenhado em "dar a volta por cima". Raramente está em casa, sai com os amigos, ... já não tem nada a ver com o X. fechado no quarto a remoer pensamentos !! No entanto, a nossa relação de mãe e filho já teve dias melhores.... o X. não é nada fácil, como sabe e por vezes leva-me a situações que reconheço menos assertivas mas difíceis de evitar.... é o nosso X.!! Mais uma vez terei que confiar no tempo para que o amadureça , para que lhe dê lastro para enfrentar as coisas básicas da vida que também são importantes e fazem parte dela.

Esta semana foi acampar com os amigos e por isso resta-nos esperar pela próxima semana, para agendarmos a reunião a quatro que propôs e para a qual estamos disponíveis, eu e o P.

Desculpe o rol de desabafos que habitualmente escrevo mas a escrita também é uma terapia, uma forma de raspar camadas queimadas da alma!!!

Obrigada por estar aí.... e por cuidar do meu X. já um homem.....mas para mim, o meu eterno menino!

Aguardo a sua disponibilidade para agendarmos a reunião.

Beijinhos,

O. 

Apaixonei-me pela honestidade emocional que este texto retrata. Num mundo cada vez mais elaborado de fachadas coloridas por fora, mas podres por dentro, numa realidade cada vez mais orientada para a demonstração do sucesso e bem-estar, mas vivendo de uma imensa simulação, este texto é uma verdadeira lufada de ar fresco. Ar puro de veracidade, de integridade e transparência, num texto organizado com um charme próprio, daqueles que me comovem profundamente.

A chamada de atenção para o facto de ser necessário desligar do mundo é inegável. A vida tal como nos é apresentada hoje, não permite ao cérebro descansar realmente. O mundo da informação 24 sobre 24 horas, pelo telemóvel, televisão, consolas de jogos, tablets, computadores e internet destrói a necessidade que o organismo tem de descansar efetivamente. Só a longo prazo se sentirão os destroços do mundo tecnológico em que vivemos.

O atribuir-se de um saudosismo da infância dos miúdos, por parte de uma mulher divorciada é de uma importância indescritível, que a muitos pode passar ao lado. Existe uma tendência à negação e à não permissão por parte dos próprios em assumi-lo, dado que vêm agregados a dor e o sofrimento psicológico. Não! Há que falar dele, expô-lo, evocá-lo, lembrá-lo…para que não permaneça encerrado nas prateleiras do subconsciente, causando danos maiores.

"A escrita também é uma terapia…”, diz-nos. Subscrevo! Escrever ou falar do que nos magoa é libertador e apaziguador. Esta maravilhosa mãe (que soube ter a coragem de procurar assistir o filho em tempo útil e sem o preconceito social que ainda reside na procura de ajuda psicológica) debita pela palavra, expulsa de si o que sente, com uma integridade e uma naturalidade inestimáveis.

Do ponto de vista da saúde mental, é um exemplo a seguir por todos nós. Aquilo que em nós entra para magoar, deve sair para nos aliviar. Simples!

Gostava que este testemunho incentivasse outras mamãs a refletir. O objetivo é e sempre será o mesmo: procurar o trilho menos doloroso neste percurso que é a vida, sempre colocando pedras nos nossos sapatos. Cabe-nos assimilar a direção mais prazerosa a tomar.